quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Amores Improváveis - IV Amor nos tempos de Cabral.

E eles nunca se conheceriam se não fosse "Bella Ciao".
Ela, branca como só se vê na zona sul burguesa do Rio. Ele, negro e pobre, como só as favelas do Rio sabem conciliar.
J. estudou nas melhores escolas da cidade. Fazia Ciências Sociais na PUC, para desgosto do pai. Fizera "controle de qualidade" nos partido políticos de esquerda.Aprendera teoria política. Discordava de tudo.
Saira de todos. Juntara-se aos Black Blocks. Dava orgulho de ver aquela moça frágil ver no meio deles todos. Suas táticas e ideias aprendidas por ai impressionavam.
No dia em que se marchou em apoio aos professores, ela se esmerou: os BB's estavam tão organizados, mas TÃO organizados que tinham até uma BANDA MARCIAL, tocando Bella Ciao.
Pare de ler por um momento para apreciar o quão SENSACIONAL essa frase é.
Banda marcial. Tocando BELLA CIAO!
O ataque à Câmara foi uma ação ORGANIZADA. Com LOGÍSTICA. Com COMANDO. Com a porra duma BANDA MARCIAL. Tocando Bella Ciao.
R. nunca tinha ouvido ou visto algo assim. Aprendera a se virar nas ruas, sua escola.
Quando ouviu aquela música, não teve dúvida: botou a camiseta tapando o rosto e se juntou àquela turma esquisita.
Com seu porte musculoso sem camisa, chamava a atenção de todos. E é claro, de J. também.
Grudou nele, todo sem jeito, sem experiência de fugir das bombas que os PM tacavam. Ele percebeu.
Mandou um "já é, loirinha?". Ela riu. Ele nem pensou. Chegou junto.
E era bomba pra cá, beijo pra lá.
Borracha ali, agarramento na parede da escola de música. As pessoas passavam correndo e viam aquele casal se beijando no meio daquela confusão toda, e não resistiam, tirando muitas fotos.
J. e R. foram se refugiar em Santa Teresa, onde morava uma tia dela. Subiram correndo. R. brilhava, com o suor escorrendo pelo corpo. J. ficava olhando...
Ao virar numa esquina, um carro da polícia com as luzes piscando!
Eles voltaram correndo, mas já era tarde. Outro carro já os perseguia.
Ela entrou num beco, crente que ele ia fazer o mesmo. Mas não.
Ele havia parado e dizia:"vai, vai, corre!"
Os PM's o alcançaram. Ele chamava eles pra porrada, chamava de covardes. Sem chance.
Spray de pimenta, cassetete no lombo suado, sem dó. Chutes, xingamentos.
J. não pôde fazer nada: não percebera que o beco era o começo de um barranco, escorregou e caiu rolando e desmaiou.
Quando acordou, foi onde deixou R. Nada, só o cheiro de spray de pimenta e sangue seco. Tremeu de medo. Ligou para quem conhecia, amigos, OAB, sindicatos, nada.
Foi às delegacias para onde normalmente levavam os manifestantes. Nada. Era como se R. Nunca tivesse existido.
Na hora lembrou de Amarildo, que a PM do Rio fez sumir.
Gelou.
Saiu andando a esmo pelo Centro. Chorando. Se sentindo culpada. Impotente.
Em TODOS os lugares do mundo, a tática Black Bloc é de enfrentamento, é de atacar símbolos capitalistas como bancos e carros policiais.
Mas se faz isso em grupo, para proteção. Ser negro e black block, sozinho, num beco escuro de Santa Teresa era algo muito, mas muito perigoso. Se ao menos ela não tivesse caído e desmaiado.
Antes se sentia FODA por colocar uma BANDA MARCIAL num ato. Tocando Bella Ciao.
Agora...
Chegou na rua da Lapa. Viu o cartaz de um casal se beijando usando máscaras de gases.
Cai sentada, chorando.
Uma mão, pesada e suave ao mesmo tempo, tocou seu ombro.
"Tá chorando porque, loirinha?!"
Aquela voz. Era R.
Todo machucado. Mas era ele.
Pulou no colo dele, chorando.
Mas de alegria.
Como como como?
Ele piscou e disse: "Se liga. Tenho a esperteza que só tem quem tá cansado de apanhar".

Amores Improváveis - IV

Amor nos tempos de Cabral.

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